quarta-feira, 11 de maio de 2011

Escolas e TIC no jogo da cabra-cega


Como podem as escolas e os professores enfrentar com êxito o desafio de incorporar na escola e na sala de aula as TIC, enquanto meios auxiliares do ensino e da aprendizagem? Como devem reagir a resultados tão opostos, quando estudados os efeitos da utilização das TIC na promoção do sucesso escolar e educativo dos nossos alunos? Como evitar este jogo da cabra-cega com que, volta e não volta, nos encontramos cercados? 

Iniciada a segunda década do século XXI, temos já a bater-nos à porta uma terceira vaga dessa revolução digital. E ela aí está, mais enérgica que qualquer das outras, a deixar-nos cada vez mais interdependentes, a mudar tudo à nossa volta, a mergulhar-nos num mundo de ficção, de perplexidade e de imaginário. 

A primeira vaga foi sustentada pela popularização e democratização dos computadores pessoais e dos telemóveis; a segunda, pela massificação do acesso à Internet e da oferta low cost da banda larga; a terceira está a ser protagonizada pela redução de todas as fontes da cultura, do saber e do lazer ao formato digital, acompanhada pela vulgarização do comércio eletrónico de bens e serviços, também eles em formato digital. A tendência é apetecível, as novas gerações de consumidores já lhe deram o seu consentimento, logo, o caminho anuncia-se irreversível. Sem ilusões: nada mais vai ser como dantes... 

Metaforicamente, poderíamos afirmar que, no futuro próximo, as grandes "fontes de poder" vão estar ancoradas nas "fontes de água" e nas "fontes de saber". As primeiras vão rarear, as segundas, pelo contrário, irão proliferar. O que resultar desta antinomia, deste confronto dialético entre o "saber" da natureza e o "saber" do Homem, converter-se-á no futuro, futuro esse onde iremos passar o resto das nossas vidas. 

Mais depressa, e de forma mais eficaz e definitiva, do que os CD substituíram os discos de vinil, a música em formato digital fará desaparecer, num curtíssimo espaço de tempo, o suporte musical em formato de CD. Hoje, quem entrar no quarto de um adolescente já não vê caixas de CD, nem livros espalhados por todo o lado. A música e os textos circulam em suportes digitais, configurados em leitores Mp3, em Pen Flash Drives, discos rígidos externos, ou em leitores tipo Kindle. E os filmes também. Não se vai à loja, à discoteca ou à livraria formais. Vai-se à net e faz-se um download, legal ou ilegal, tanto faz, desde que cumprido o objetivo. Permutam-se discos, filmes e textos à velocidade de um clique, toma lá, dá cá. Uma parte das revistas e livros em suporte de papel tem os dias contados. As bases de dados digitais constituirão uma fonte inesgotável de conhecimento ao alcance dos dedos das mãos. Devido a isso, o crescimento do conhecimento vai evoluir de uma forma exponencial. A humanidade poderá combater melhor as desigualdades, as doenças, a fome, a miséria, o nepotismo e todas as formas de degradação do Homem. A humanidade poderá, ainda, ser una e mais solidária, face ao desenvolvimento social e ao progresso científico proporcionado por esta revolução digital. 

A Amazon divulgou que quarenta e sete por cento dos livros vendidos o foram já em formato digital (e-books). Ao preço de um telemóvel topo de gama pode-se comprar umgadget (Kindle, Cool-Er...) armazenador e leitor de revistas e livros com capacidade para guardar uma biblioteca de cerca de quatro mil volumes. Estes livros e revistas podem ser adquiridos on-line, por wireless, ou através de uma ligação 3G a preços populares, devido à óbvia diminuição de custos, em livrarias virtuais. Pouco faltará para que se possa trazer no bolso a biblioteca de Oxford, com possibilidade de aceder aos textos através de um motor de busca à base de palavras-chave. Mais de cinquenta mil filmes são alugados ou comprados no iTunes todos os dias. A publicidade na net já alcançou mais de metade do valor investido nos meios tradicionais de comunicação social... 

Aviso: não se trata do fim dos livros, jornais e revistas em suporte de papel. Como não o foi o anunciado fim dos discos de vinil. Mas é um novo renascer dos modelos de divulgação da cultura, da informação e da ciência, só comparável ao renascimento proporcionado, nos finais da época de quatrocentos, pela prensa de Gutenberg. Um novo renascimento que possibilitará crescimentos culturais e científicos em ordem geométrica, dada a possibilidade de divulgação da informação de forma generalizada e em poucos segundos. 

E a escola? E os professores e educadores? Já o afirmámos variadíssimas vezes: vivemos um tempo que pretende reconfigurar a sociedade e a escola, atribuindo-lhe um novo formato, centrado em renovadas formas de receber e transmitir a informação. Isto implica uma busca permanente do conhecimento disponível e das suas fontes de informação. Para alcançar tal objetivo, imputa-se à escola mais uma responsabilidade: a de contribuir significativamente para que se atinja o que se convencionou designar por analfabetismo digital zero. 

Para tal, a educação para a utilização das novas tecnologias digitais precisa de ser planeada, com base no conhecimento pedagógico, desde o jardim de infância. Sem preconceitos ou desnecessárias coações, sem substituir atabalhoadamente o analógico pelo digital, mas sim reforçando a capacidade cognitiva dos alunos e guiando a descoberta de novos horizontes. Formando os professores e equipando as escolas. Este movimento deve ser capaz de preparar os jovens para serem leitores críticos e escritores aptos a desenvolver essas competências em qualquer dos meios suportados pelas diferentes tecnologias.

É que nem tudo parece ser um mar de rosas... Por exemplo, "as escolas que viram a sua média descer ou subir menos do que a média global nos exames do 9.º ano de escolaridade, em 2010, são tipicamente as que mais usaram a Internet", como referiu Rodrigo Belo, coautor do estudo "The Effects of Broadband in Schools: Evidence from Portugal", realizado em parceria com Pedro Ferreira e Rahul Telang. Estes investigadores, do Instituto Superior Técnico, Universidade Católica e Carnegie Mellon University, sublinham que o estudo não mede os eventuais impactos positivos do acesso generalizado aos computadores e à Internet na vida futura dos alunos e apenas alerta para o facto de o acesso às novas tecnologias não garantir, por si só, uma melhoria dos desempenhos. 

Os professores da designada geração digital também já estão a chegar às escolas. E, com eles, as mudanças pedagógicas vão ser mais rápidas, porque baseadas no domínio de novas competências, na experiência e na forte motivação para o uso das novas tecnologias. A escola tradicional vai mudar. Desde logo necessitará de menos espaços físicos. Através da comunicação on-line, o contacto com o mundo exterior e com as outras escolas da aldeia global será permanente. Desta "conexão" de escolas globais - as connecting classrooms - resultarão aprendizagens, também elas globais, e em simultâneo, proporcionadas pelos vários docentes globalizantes, porque globalizadores do conhecimento e da tutoria dos aprendentes. 

O que vamos fazer do "pátio dos recreios" quando, nos intervalos, os jovens já só se confinarem à manipulação dos telemóveis ou dos iPads? A resposta depende de acreditarmos, ou não, de que a escola nunca deixará de ser a escola e de que nós nunca deixaremos de ser professores.
João Ruivo