quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Uma reforma para despedir professores?

O processo de consulta pública da revisão curricular dos ensinos básico e secundário fechou a 31 de janeiro com mais de 950 contributos de várias entidades e organizações. Em março, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) apresentará a versão final do documento que será aplicado nas escolas no próximo ano letivo. O assunto não é pacífico e esteve em análise na Assembleia da República. Os deputados da oposição veem nas alterações propostas pela tutela uma forma de despedir professores, uma vez que haverá menos disciplinas no horário.

Oposição e Governo não estão de acordo sobre vários pontos da matéria. Há, portanto, divergências. PS, PCP, BE e PEV têm muitas dúvidas se o modelo funcionará e temem que a contenção orçamental mexa na vida de muitos professores. O PS discorda do desaparecimento da Formação Cívica e da mudança de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) para o 2.º ciclo. O PCP tinha pedido a suspensão da revisão curricular, mas não conseguiu. "Esta é uma política de empobrecimento da escola pública, que significa um retrocesso civilizacional de décadas", sustentou o deputado comunista Manuel Tiago na Assembleia da República. O BE considera que a revisão curricular "é uma espécie de corta e cola", ou seja, "tira umas horas e umas disciplinas aqui e coloca outras ali", e defende que o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão consultivo do ministério de Nuno Crato, deve avaliar a matriz curricular em vigor.

A maioria PSD-CDS garante que o processo foi democrático e muito participado. O executivo de Passos Coelho rebate as críticas e assegura que vai ouvir o que o CNE tem a dizer sobre o assunto. "O Governo tem um mandato para governar, fez uma proposta e colocou-a em discussão pública, é difícil imaginar um modelo mais democrático", realça o deputado do CDS-PP Michael Seufert. Desde 2004 que as propostas de revisão curricular não eram colocadas em discussão pública, o que aconteceu com a entrada de Nuno Crato no Ministério. Para o PSD, é lamentável que a Oposição tente suspender o processo, que apenas critique e não apresente sugestões e projetos.

A reforma do sistema curricular dos ensinos básico e secundário tem motivado várias iniciativas. Uma delas é uma carta aberta, assinada por mais de 40 artistas e intelectuais, que pede que a disciplina de Educação Visual e Tecnológica (EVT) não sofra qualquer redução na carga horária. O Governo admite que EVT deixe de ser lecionada no 9.º ano, que se divida em duas e que deixe de ser ensinada por dois professores. "As disciplinas que constituem a Educação Artística e Tecnológica estão presentes cada vez mais no dia a dia do mundo, em cada segundo, em qualquer lado que estejamos", lê-se na carta redigida pela artista plástica Ana Silva e Sousa.

O documento fala ainda numa "grande falha na aposta e falta de visão" que remetem os artistas contemporâneos nacionais para o esquecimento. Os escritores Alice Vieira e Jacinto Lucas Pires, a estilista de moda Ana Salazar e o filósofo José Gil são alguns dos nomes que subscrevem a carta dirigida a Nuno Crato.

A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) decidiu manter em aberto a discussão sobre a reforma da estrutura curricular. "Será uma forma de continuar a aprofundar a reflexão sobre o tema e, simultaneamente, pressionar o Ministério no sentido de não avançar com uma medida que tem por único objetivo despedir professores ainda que empobrecendo os currículos escolares", escreve na sua página da Internet.

Além da mobilização dos professores para participarem na manifestação nacional, marcada para este sábado no Terreiro do Paço em Lisboa, a FENPROF colocou na sua agenda uma vigília contra o desemprego e a precariedade para 24 de fevereiro, junto ao MEC. A vigília começará pelas 15h00 e terminará ao meio-dia de 25 de fevereiro. A iniciativa surge em "protesto contra estes dramas que se abatem sobre os profissionais docentes de uma forma cada vez mais violenta". Paralelamente, a FENPROF vai pedir uma reunião ao MEC para pedir medidas concretas que previnam a indisciplina e punam a violência nos espaços escolares.

A Federação Nacional da Educação (FNE) considera que a reforma curricular é "conjuntural, episódica e voluntarista". No parecer que elaborou sobre a proposta-base da revisão curricular, a estrutura defende que uma reforma desta dimensão "não se pode confinar a um mero exercício de somas e subtrações de tempos letivos, particularmente se estas opções tiverem por única fundamentação a preocupação de redução de custos em termos de recursos humanos". Na sua opinião, falta sustentação que deveria ter sido colocada nas mãos de uma "autoridade técnica independente e reconhecida".
Sara R. Oliveira
Fonte: Educare